domingo, 4 de febrero de 2007

'TRECHO'




Por Carolina Braga
Desde Rotterdam*


Inspirado por Guimarães Rosa e Gabriel Garcia-Marquez o cineasta mineiro Helvécio Marins Jr. tem planos otimistas para 2007. Enquanto viaja pelo exterior mostrando os trabalhos realizados pela produtora Teia, de Belo Horizonte, amadurece a idéia e acerta as arestas do que será o seu primeiro longa-metragem. “É um filme que fala sobre o tempo”, adianta.
Fã confesso do sertão, ele faz das histórias que há anos escuta de um falante casal de velhinhos moradores de São Romão, às margens do São Francisco, fonte para uma reflexão sobre o poder de parar o tempo naquela cidade, naquela casa. “Eles são um barato. Ele é ferreiro, ela é curandeira então mexem muito com a minha imaginação”, conta.
Se Helvécio quer parar o tempo na ficção, na vida real o ritmo anda acelerado para ele e para os cinco parceiros fundadores da Teia. De festival em festival a produtora mineira vai se consolidando como uma das mais promissoras empresas de criação cinematográfica brasileira no cenário independente internacional. E olha que tem apenas quatro anos de vida.
Da recente passagem pelo festival de Sundance, nos Estados Unidos, Helvécio embarcou para Rotterdam, onde apresentou o curta Trecho que fez em parceria com Clarissa Campolina na 36ª edição do Festival Internacional da cidade. Até sábado a Teia ainda exibe na mesma programação o longa Acidente, de Cao Guimarães e Pablo Lobato que também estão na Holanda. De lá, os criadores/executivos ainda tem reuniões de negócios na França.
“Já vendemos para TV, aqui na Europa, para o Japão, Canadá, para companhia aérea. É inacreditável. Nunca imaginei vender um filme um dia! É uma coisa que vai crescendo. Acho que daqui a pouco, sem exagero, filme nosso pode estar em cartaz aqui. Vai continuar sendo no circuito alternativo, três, quatro semaninhas e é isso. Não temos pretensões de grandes bilheterias”, aposta. Nem deveriam.
A Teia
A Teia foi criada em 2003 como um coletivo de pesquisa, criação e produção audiovisual e que até então já lançou 30 filmes entre curtas e longas. Além de Helvécio, completam o time de criadores, Clarissa Campolina, Leonardo Barcelos, Marília Rocha, Pablo Lobato, e Sérgio Borges. Todos têm em comum a busca por uma linguagem inovadora.
Talvez por isso a comunicação com o público brasileiro – e mineiro - não seja tão imediata e os trabalhos muitas vezes taxados de “cult” e “experimentais”. É uma questão de escolha: os cineastas da Teia fogem da normalidade. “Somos conscientes do que fazemos. As vezes é difícil falar da Teia como um todo, muita gente acha os filmes parecidos. Comigo é assim: tem que ter uma coisa diferente que eu não vi em nenhum lugar, senão eu me sinto normal demais”, diz Helvécio.
Mas o interessante é que as “anormalidades” sempre ultrapassaram as fronteiras e marcaram presença, por exemplo, em festivais na Alemanha, África do Sul, Canadá, Republica Checa, França, Holanda, Portugal, Suécia e Inglaterra. Para Helvécio o que encanta espectadores do resto do mundo é a simplicidade. “Essa coisa chama atenção principalmente dos gringos. Agora em Sundance as pessoas agradeceram dizendo que estávamos ensinando uma outra maneira de ver o mundo, de fazer documentário, mostrando que existem outras possibilidades e tudo mais ..!”, lembra.
E Rotterdam? “Rotterdam é como se fosse o templo sagrado do cinema de autor. Acho que o que difere de Cannes, Veneza e Berlim é o foco voltado para experimentação e as novas linguagens”, explica Helvécio que confessa não ter expectativas sobre prêmios. “O prêmio já é estar aqui”.
Se é assim, o diretor é pós-graduado no festival Holandês. “Esse é o terceiro ano que eu venho”, conta ele que carimbou o passaporte em 2002 com Dois homens e em 2006 com Nascente. Em 2007 o mineiro traz para a Holanda imagens de estradas, matas, fogo e tudo que encontrou pela frente ao acompanhar a caminhada do nordestino Libério de Belo Horizonte ao Recife.
Trecho, que é definido como um diário imagético e sonoro, foi o curta vencedor do Festival de Brasília e teve apenas duas sessões em Rotterdam. Uma delas foi tumultuada, com problemas no projetor e atraso antes de começar. Mas o público não arredou o pé. “Acho que ele foi tranquilamente o mais aplaudido”. O encontro com a platéia estrangeira, o êxito em mostras internacionais ,tem tudo a ver com a motivação dessa turma mineira. “É um público restrito? É, mas de certa forma você acaba encontrando”.

* A repórter viajou a convite do 36º
Festival Internacional de Cinema de Rotterdam com o apoio da Rádio Guarani.

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